O uso excessivo de telas na infância tem sido um dos temas mais debatidos entre especialistas em saúde infantil, educação e desenvolvimento. Em um mundo cada vez mais digital, é urgente que pais e cuidadores compreendam os riscos associados ao uso precoce e descontrolado de telas por crianças e adolescentes, e aprendam estratégias para promover um desenvolvimento mais saudável e equilibrado.
O problema começa cedo
Celulares, tablets, computadores e TVs fazem parte do cotidiano de muitas famílias. É comum vermos crianças pequenas entretidas com vídeos, desenhos animados e joguinhos desde muito cedo. No entanto, o que pode parecer uma solução prática para acalmar ou distrair os pequenos, na verdade, traz sérios prejuízos para o desenvolvimento físico, emocional e cognitivo.
De acordo com a pesquisa TIC Kids Online Brasil 2024, 83% das crianças e adolescentes entre 9 e 17 anos com acesso à internet possuem perfil próprio em redes sociais. O dado mais alarmante? Entre crianças de 9 a 10 anos, esse número já é de 60%, mesmo que a idade mínima para essas plataformas seja de 13 anos.
Telas e o desenvolvimento do cérebro infantil
Segundo o pediatra e sanitarista Daniel Becker, as telas afastam as crianças das experiências reais que são fundamentais para o desenvolvimento do cérebro. Nos primeiros anos de vida, o cérebro infantil está em plena construção – cerca de um milhão de conexões neurais por segundo são formadas na primeira infância. E essas conexões dependem de estímulos do mundo real: brincar, explorar, interagir com os pais, ouvir histórias, correr, imaginar.
Quando uma criança passa horas diante de uma tela, mesmo com conteúdo aparentemente “educativo”, ela está deixando de vivenciar experiências essenciais. O risco é ainda maior quando falamos de conteúdos inadequados, que geram hiperestimulação e até dependência.
Quanto tempo de tela é aceitável?
As recomendações mais atuais falam menos sobre a quantidade de tempo e mais sobre a qualidade do conteúdo e o equilíbrio com a vida real. A Sociedade Brasileira de Pediatria recomenda:
- 0 a 2 anos: zero telas
- 2 a 5 anos: até 1 hora por dia, com supervisão
- 5 a 10 anos: até 2 horas por dia, com controle de conteúdo
- 11 anos em diante: máximo de 3 horas, sempre com supervisão ativa
Porém, segundo Becker, essas recomendações precisam ser acompanhadas de bom senso: não é apenas o tempo que conta, mas sim se a criança está conseguindo dormir bem, brincar, estudar, se relacionar, ter contato com a natureza e estar presente na vida familiar.
O perigo invisível: o algoritmo e os conteúdos nocivos
Um dos maiores perigos do uso precoce e sem supervisão de telas na infância e adolescência é a exposição a conteúdos inadequados. As redes sociais, por exemplo, operam com algoritmos que priorizam o que prende atenção, nem sempre o que é educativo ou saudável.
Sem o acompanhamento dos pais, crianças e adolescentes podem ter contato com conteúdos violentos, sexualizados, misóginos, racistas e que promovem o ódio. Isso impacta diretamente a formação de valores, autoestima, visão de mundo e saúde mental.
Além disso, o uso excessivo de telas pode levar a sintomas de ansiedade, depressão, distúrbios do sono e déficit de atenção, especialmente na adolescência.
O valor do mundo real
Mais do que limitar o uso de telas, é essencial oferecer alternativas ricas e envolventes no mundo real. Ir ao parque, brincar com outras crianças, praticar esportes, fazer arte, inventar brincadeiras em casa – tudo isso estimula a criatividade, fortalece vínculos e contribui para o desenvolvimento emocional.
E até o tédio tem seu valor: quando a criança não tem uma tela por perto, ela é desafiada a criar, imaginar e explorar seu próprio mundo interno. Isso é fundamental para o amadurecimento saudável. O uso de telas na infância e adolescência precisa ser consciente, supervisionado e equilibrado. Não se trata de demonizar a tecnologia, mas de reconhecer seus riscos e de garantir que ela não substitua o contato humano, o brincar, o vínculo familiar e a vivência no mundo real.